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15 anos da Lei da Alienação Parental: especialista reafirma importância da manutenção da norma

A Lei da Alienação Parental (12.318/2010) completa quinze anos na próxima terça-feira, 26 de agosto, em meio a debates sobre a possibilidade de revogação da norma. O IBDFAM defende a importância do texto legal para a proteção de parcelas vulneráveis da sociedade.
A LAP considera como ato de alienação parental “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.
Para a educadora parental Bruna Barbieri Waquim, presidente da Comissão de Alienação Parental do IBDFAM, a Lei da Alienação Parental representa uma mudança paradigmática e pedagógica igual à Lei do Feminicídio.
“Já tínhamos a previsão legal para o crime de homicídio, mas faltava a perspectiva de gênero, que conduziu à criação do tipo penal feminicídio, e isto transformou a maneira do Judiciário, do Executivo e da sociedade de lidar com o homicídio praticado em razão de gênero. Da mesma forma, já tínhamos previsões legais esparsas sobre o exercício da parentalidade no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, mas sem a força e a conscientização necessárias, o que só foi trazido pela Lei de Alienação Parental”, compara a especialista.
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Reconhecimento social e jurídico
Quinze anos após a promulgação, Bruna Barbieri afirma que o texto “retirou o problema da Alienação Parental da invisibilidade e ampliou o reconhecimento social e jurídico de práticas que antes ficavam restritas – e escondidas – no ambiente privado das famílias".
“Hoje, termos como ‘alienação parental’, ‘conflito de lealdade’, ‘triangularização’ fazem parte do vocabulário não apenas de profissionais da Psicologia e do Direito, mas também de educadores, dos componentes da Rede e até da mídia”, observa.
Contudo, ela pondera: o impacto não é linear. “Se, por um lado, a LAP deu voz a crianças e adolescentes que sofrem com manipulações emocionais, e serve de instrumento de conscientização de cuidadores, por outro lado ainda existem desafios na sua aplicação, seja pelo desconhecimento técnico, seja por resistências culturais que naturalizam a instrumentalização dos filhos em conflitos parentais.”
“Ainda que não se fale em Alienação Parental, a literatura já estuda, há décadas, os impactos do divórcio conflituoso sobre os filhos, sendo uma permissão já consolidada que o conflito interparental é considerado o fator de risco com maior impacto no ajustamento da criança à separação ou divórcio dos pais. Seja quando chamado de divórcio conflituoso, divórcio de alta litigiosidade ou divórcio destrutivo, a escalada de tensionamentos entre os genitores no processo de divórcio já está documentada como causadora de grandes danos ao desenvolvimento biopsicossocial de crianças e adolescentes, especialmente pelo potencial lesivo dos conflitos de lealdade a que são submetidos”, explica.
A LAP, segundo a educadora parental, veio ocupar uma importante lacuna no ordenamento jurídico: “Chamar à atenção para a proteção da convivência familiar de crianças e adolescentes fora dos casos clássicos de situação de risco que envolviam medidas de colocação em família substituta no ECA (guarda, adoção e tutela)”.
“Quando o ECA fala de descumprimento dos deveres parentais (art. 249, por exemplo), o insere como mera infração administrativa, e atribui a simples pena de multa, o que demonstra que o ECA não estava preparado para lidar com o problema da Alienação Parental em sua verdadeira essência: a de violação de um direito fundamental da criança, qual seja, o seu direito à convivência familiar, que precisa não apenas de uma pena, mas de medidas concretas que restabeleçam o exercício saudável desse direito”, afirma.
Capacitação
A diretora nacional do IBDFAM afirma que a coparentalidade começou a ser discutida após a consolidação do divórcio como possibilidade jurídica, em meados de 1960/1970. “Temos cerca de 50 anos apenas que a ‘Caixa de Pandora’ do divórcio foi aberta na sociedade para que se estudem seus impactos.”
De acordo com a especialista, estudar coparentalidade é estudar as consequências dos perfis disfuncionais do exercício dessa coparentalidade, no que se enquadra a Alienação Parental. “Desde 2010, com o efeito pedagógico trazido pela Lei 12.318/2010, que trouxe um nome para esse problema, percebemos um avanço significativo na formação interdisciplinar.”
Ela explica que atualmente a coparentalidade, o divórcio e a Alienação Parental são estudados desde a graduação. “Cursos de capacitação para magistrados e equipes técnicas vêm incorporando a temática da Alienação Parental e dos direitos da criança à convivência familiar saudável.”
“Hoje vemos maior integração entre o olhar jurídico e o olhar psicológico, com laudos mais detalhados e fundamentados, além de uma preocupação crescente em ouvir a criança de forma adequada à sua idade, como se vê do Protocolo instituído pelo CNJ e que vem trazer grandes luzes sobre esse delicado tema”, pondera.
Bruna Barbieri alerta, porém, que há uma desigualdade regional no preparo das equipes, bem como a necessidade de protocolos claros que orientem a diferenciação entre alienação parental e situações de violência ou abuso real. “As Varas de Família e de Infância e Juventude precisam de mais equipes multidisciplinares em número suficiente e com capacitações suficientes para atender ao crescimento da demanda de proteção de crianças e adolescentes envolvidos nos mais variados tipos de violência, inclusive a psicológica.”
Para a especialista, é necessário separar as ações de família da lógica de produtividade que ainda paira sobre as instâncias de julgamento. “Não se pode medir o sucesso de uma ação de família pelo seu diminuto tempo de tramitação, mas sim pelos investimentos feitos na solução consensual e terapêutica dos seus conflitos.”
Aperfeiçoamento
Bruna Barbieri diz que a Comissão Nacional de Alienação Parental e a Comissão Nacional de Assuntos Legislativos do IBDFAM trabalham ativamente para contribuir com os debates de aperfeiçoamento da LAP no Congresso Nacional. “Estamos alinhados à produção do conhecimento científico mais atualizado sobre o fenômeno da Alienação Parental, que amplia e define de forma objetiva o conceito como comportamentos parentais alienadores, que obstruem o exercício do direito fundamental à convivência familiar.”
“Em resumo, estamos trabalhando junto ao Congresso sob uma perspectiva infantocêntrica, para aprimorar e atualizar a Lei 12.318/2010, alinhando-a a tratados internacionais de direitos humanos e às evidências científicas mais modernas sobre os impactos da alienação parental”, frisa.
De acordo com a especialista, é importante incluir na legislação as hipóteses de exclusão do conceito de alienação parental, como nas situações nas quais o afastamento de um cuidador decorre da própria negligência deste em manter vínculos, ou quando a resistência da criança é motivada por episódios de violência ou abuso comprovado. “Nada disso é Alienação Parental, e precisamos deixar isso claro na lei.”
“A perícia pode ser dispensada quando a alienação puder ser provada por documentos ou testemunhas, naqueles comportamentos parentais alienadores que não exijam maiores digressões técnicas para sua comprovação. Quando necessário, de fato, a perícia, deve ser exigido que o perito/equipe tenha expertise comprovada em conflitos familiares, coparentalidade e protocolos de entrevista forense”, ressalta.
De acordo com a educadora parental, também é necessário maior clareza conceitual sobre o fenômeno. “Isso vai nos trazer maior segurança jurídica e até limites às medidas excepcionais que possam ou não ser aplicadas.”
“Esperamos contribuir para evitar a banalização e até mesmo o uso indevido da Lei, pois nosso foco é assegurar os melhores interesses da criança e do adolescente, independente de atender às conveniências dos adultos em litígio”, comenta.
Educação parental
Na visão da presidente da Comissão de Alienação Parental do IBDFAM, a proteção da criança contra comportamentos alienadores não depende apenas do sistema de Justiça; “ela precisa ser fortalecida pela própria mobilização da sociedade civil”.
A LAP, segundo ela, já estabeleceu o marco jurídico e civilizatório, mas sua efetividade se amplia quando a comunidade, os serviços públicos e as famílias internalizam o dever de prevenir conflitos e promover vínculos saudáveis. “Vejo como essencial a educação parental em parentalidade positiva, um pilar fundamental, pois se trata de orientar mães, pais e cuidadores para o exercício da autoridade e do afeto de forma equilibrada, não violenta e cooperativa, garantindo que a criança cresça em ambiente de respeito e segurança emocional.”
Como exemplo, Bruna Barbieri cita o projeto “Eu me educo porque me preocupo”, apresentado pelo IBDFAM do Maranhão ao Tribunal de Justiça do Maranhão – TJMA. A iniciativa propõe a formação sistemática de pais e mães em temas como resolução pacífica de conflitos, comunicação não violenta, corresponsabilidade parental e impacto da alienação no desenvolvimento infantil.
“A ideia é fomentar, junto ao corpo de servidores e magistraturas, uma nova cultura de parentalidade, que possa também ser levada para a comunidade de entorno”, avalia a especialista.
Bruna também destaca a Lei estadual 12.313/2024, sugerida pelo IBDFAM Maranhão à Assembleia Legislativa estadual, que instituiu o Dia e a Semana Estadual da Conscientização sobre Educação Parental, no âmbito do Estado do Maranhão. “Esse instrumento normativo é um avanço importante porque traz a temática para o espaço público, promove campanhas educativas, debates e formações, e insere a educação parental na agenda do Estado como uma solução e uma iniciativa coletivas, e não apenas familiar.”
Ela conclui que essas ações, multiplicadas em todo o país, podem transformar a LAP em um catalisador de uma cultura de paz e cuidado, garantindo que a criança e o adolescente tenham assegurado seu direito mais essencial: o de crescer em um ambiente de vínculos familiares saudáveis e estáveis.
Saiba mais: Especialista responde às principais controvérsias sobre a Lei da Alienação Parental
Em 2023, a advogada Renata Nepomuceno e Cysne, então coordenadora do Grupo de Estudo e Trabalho sobre Alienação Parental do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, respondeu às principais controvérsias sobre a Lei da Alienação Parental. Clique aqui e relembre a entrevista exclusiva da especialista.
Por Débora Anunciação
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